Entre mil palavras, um desenho

Pois é, meu povo pernambucano em geral e recifense em particular. Pode registrar mais essa aí na nossa já extensa lista de megalomanias: é catalogado, clínico e diagnosticado que a primeira charge do Brasil foi impressa aqui mesmo na terra dos altos coqueiros e de belezas soberbo estendal. Foi aqui na Mauritiópolis que se iniciou uma era de transformação na imprensa brasileira, onde o texto passou a dividir espaço com a ilustração de humor.

O bravo guerreiro chargista que fez a xilogravura é anônimo, mas o jornal satírico onde foi publicada se chamava O Maribondo (assim mesmo, sem o “m” do meio). E o redator era Manoel Paulo Quintela. Trata-se do desenho de um homem corcunda sendo atacado por um enxame de marimbondos, sendo o homem um português e o incômodo enxame os brasileiros que queriam a independência do Brasil.

A corcunda do desafortunado lusitano fica por conta do apelido nada lisonjeiro que foi dado pelos nativistas aos defensores da Corte, que, de tanto se curvarem diante do imperador Pedro I, teriam desenvolvido esse grave defeito na coluna.

A data da publicação é 25 de julho de 1822, exatos 45 dias antes do fatídico brado retumbante do 7 de setembro nas plácidas margens do Ipiranga.

Não quero insinuar aqui que uma coisa causou a outra, que essa gente chargista não é muito dada a modéstias, ainda mais sendo pernambucano, mas o fato é que não paramos por aí. Logo depois do Maribondo, veio o Carcundão em 1831, dando curso à maliciosa alcunha, mas desta feita o infeliz português retratado, além de corcunda, tinha uma cabeça de burro.

Esse jornal tinha até endereço público e notório, ficava bem ali na Rua das Flores. Em 1832, também no Recife, o padre beneditino Miguel do Sacramento Lopes Gama lança o periódico satírico O Carapuceiro, em cujo frontispício temos uma chapelaria onde o chapeleiro experimenta uma carapuça em um… adivinhem… isso mesmo, um corcunda!

Foi editado, com eventuais interrupções mas enorme sucesso, de 1832 a 1847. É ele, sim, o padre Lopes Gama, o famoso Padre Carapuceiro, que dá nome àquela rua em Boa Viagem. Dom Pedro I e seus bajuladores não tinham refresco por aqui, detestados que eram por terem embaçado os nossos próprios sonhos de independência na Revolução Pernambucana de 1817 e na Confederação do Equador em 1824.

É sabido que existiram, segundo relatos em carta de 1826 do então ministro da Áustria, algumas pranchas provavelmente litográficas com caricaturas satirizando os amores do pé-quebrado do imperador Pedro I com a Marquesa de Santos, desenhadas e distribuídas durante as revoltas de 1817.

Infelizmente, ainda não foram achadas, porque aí, além de termos medalha de ouro, prata e bronze na charge, teríamos também a primazia da caricatura no Brasil, que ainda é creditada a Manuel Araújo Porto-Alegre, que, como se pode deduzir pelo nome, era gaúcho, mas fez fama no Rio de Janeiro.

Mas não curvemos ainda as nossas vértebras cervicais, um dia certamente haveremos de achá-las e botar Pernambuco em primeiríssimo lugar…!

Fontes: História da Caricatura Brasileira, de Luciano Magno e História da Caricatura no Brasil, de Herman Lima