O homem contra a natureza

Da segunda década do século 20, quando a primeira edição do Jornal do Commercio foi publicada, até hoje, o mundo passou por profundas transformações. Foi nesse período que cientistas registraram o agravamento de uma série de problemas ambientais, como poluição, desmatamentos, queimadas e aquecimento global. Nos últimos cem anos, o mundo ainda testemunhou catástrofes naturais e tragédias causadas pela ação humana, com impacto para o meio ambiente.

De acordo com o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, as emissões de gases de efeito estufa, provocadas pelas atividades humanas – principalmente aquelas que utilizam gás, carvão e petróleo –, foram responsáveis por um aumento de temperatura de 0,74º C nos últimos cem anos.

Entre as consequências do aquecimento estão a desertificação, a alteração do regime das chuvas, as secas, os furacões, as inundações, as alterações de ecossistemas, a redução da biodiversidade e a disseminação de doenças. “Os problemas começaram a se agravar a partir do século 19, com a Revolução Industrial. Nos últimos cem anos, podemos dizer que, de forma geral, tudo se intensificou. Ao mesmo tempo, foi nesse período que os problemas ambientais passaram a ser percebidos de forma internacional. Os países entenderam que precisariam pensar soluções de forma coletiva”, destaca a bióloga Andreia Quirino, doutora em ciência política e professora do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Foi no século 20 que surgiram os principais encontros e acordos climáticos. Em 1972, a Organização das Nações Unidas (ONU) reuniu 113 países na Conferência de Estocolmo, na Suécia. O evento resultou em um documento com princípios e recomendações relacionadas à poluição e à preservação de recursos naturais. Vinte anos depois, em 1992, foi a vez de o Rio de Janeiro receber a Eco-92. O encontro, que contou com a presença de 172 países, seria o primeiro passo para a criação de um tratado internacional vinculativo. A UNFCCC (Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima) entrou em vigor dois anos depois, com 196 países membros. A partir dela, surge uma plataforma para elaboração de acordos internacionais, definindo o papel de cada nação no controle do aquecimento global.

Em 2004, um terremoto de grande magnitude provocou uma onda gigante no Oceano Índico, atingindo parte da Ásia e da África. Mais de 226 mil pessoas morreram em 13 países. Foto: John Russel/AFP.

Em 1997, o Protocolo de Kyoto é assinado no Japão. Ele é o primeiro que define diretrizes para a redução da emissão de gases poluentes causadores do efeito estufa por países industrializados. O acordo só entraria em vigor em 2005, com duração até 2012. Três anos depois, em 2015, seria assinado o Acordo de Paris. Diferentemente do Protocolo de Kyoto, o acordo não prevê obrigatoriedade de redução de emissão de gases poluentes, mas estimula os países a adotarem ações voluntárias em prol do meio ambiente.

Se as soluções começaram a ser pensadas de forma internacional, a comoção em torno de tragédias de impacto ambiental também alcançou contornos globais. Em 1945, a Segunda Guerra Mundial chegava ao fim. Lançadas pelos Estados Unidos contra o Japão, as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki mataram mais de 200 mil japoneses e causaram severos danos à natureza.
Em 29 de abril de 1986, a capa do JC trazia em destaque: “Acidente nuclear na Rússia atinge outros países”. Tratava-se da explosão na Usina Nuclear de Chernobyl, na Ucrânia, que na época integrava a União Soviética. A maior tragédia nuclear da história foi responsável pela morte de milhares de pessoas e pela contaminação de quilômetros de vegetação pela Europa.

Em 2004, parte da Ásia e da África foi devastada pelo maior tsunami da história. A tragédia aconteceu após um terremoto de magnitude 9.1 atingir a província indonésia de Aceh, desencadeando a onda no Oceano Índico. Mais de 226 mil pessoas morreram em 13 países.

No Brasil, a ação humana também foi responsável por tirar vidas e aniquilar a natureza. Em 2000, um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo mudou o cenário da Baía de Guanabara, no Rio de Janeiro. O acidente atingiu a área de preservação Guapimirim e praias que banham o litoral carioca, matando a fauna e contaminando o solo.

Quinze anos depois, quando uma barragem da companhia Samarco rompeu, o município de Mariana, em Minas Gerais, viveu um pesadelo, naquele que é considerado o maior desastre ambiental brasileiro. Dezenove pessoas morreram, e a lama tóxica contaminou o Rio Doce, matando animais e vegetação. Os impactos ainda não são totalmente conhecidos, mas especialistas defendem que a região nunca se recuperará completamente.

Este ano, estouro de barragem de rejeitos está longe de findar seus efeitos danosos. Foto: Mauro Pimentel/AFP.

A lição de Mariana, no entanto, não foi aprendida. E este ano uma barragem da Vale se rompeu no município de Brumadinho, também em Minas, deixando 212 mortos. O mar de lama destruiu plantações e contaminou o Rio Paraopeba, um dos afluentes do São Francisco. Mais de 90 pessoas continuam desaparecidas.

O desmatamento não cessa

O desmatamento está entre os efeitos mais preocupantes do Homem sobre a natureza. No Brasil, os seis biomas – Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica, Pantanal e Pampas – são afetados pelo problema. Alguns, como a Mata Atlântica, presente nas áreas mais populosas do País, quase sumiram.

De acordo com o relatório divulgado em 2018 pelo Fundo Mundial para a Natureza (WWF, da sigla em inglês), de 1970 para cá, a Amazônia teve 20% de sua área reduzida. No caso da Caatinga, a porcentagem chega a 50% da cobertura vegetal.

A redução da área verde coloca uma série de animais na lista de ameaçados de extinção. É o caso de espécies como jandaia-amarela (Aratinga solstitialis), tatu-bola (Tolipeutes tricinctus), uacari (Cacajao hosomi), boto (Inia geoffrensis) e muriqui-do sul (Brachyteles aracnoides).

Bioma se restringe a áreas de preservação. Foto: Rodrigo Lôbo/Acervo JC Imagem.

“A destruição da Amazônia prejudica o cumprimento dos compromissos que o Brasil assumiu no Acordo de Paris, de diminuição da emissão de gases de efeito estufa, e na Convenção sobre Diversidade Biológica”, afirma Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil.

Presente em 17 Estados, a Mata Atlântica está próxima à casa da maioria dos brasileiros. Está em áreas que abrigam 72% da população, sete das nove maiores bacias hidrográficas do Brasil e três dos maiores centros urbanos do continente sul-americano.

De acordo com dados da ONG SOS Mata Atlântica, da floresta original, resta ao País 12,4%. Do preservado, 80% estão em áreas privadas.

O Parque Estadual Dois Irmãos, em Pernambuco, tem cerca de 384 hectares e é considerado um dos principais centros de conservação da Mata Atlântica no País. “São pequenas ilhas, que sobrevivem a duras penas, protegidas principalmente por causa do Código Florestal”, pontua a bióloga Andreia Quirino, professora da Universidade Federal de Pernambuco.

COBERTURA

Em 1989, três anos antes da Eco-92, o JC passou a pautar o assunto meio ambiente em um página diária. “Ninguém falava sobre mudanças climáticas ou aquecimento. Hoje, esse espaço reservado não é mais necessário. Tratamos de meio ambiente em Economia, Cidades, Política”, afirma a diretora de Conteúdos Digitais do SJCC, Maria Luiza Borges, que foi estagiária de meio ambiente no início da carreira.