Prosa e poesia de primeira

Em 1919, já com 35 anos, Manuel Bandeira lançava o seu segundo livro de poemas, Carnaval – no mesmo ano da primeira edição do Jornal do Commercio. Era a obra de um poeta que ainda trazia resquícios do pré-modernismo, mas também antecipava as propostas da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo.
Bandeira foi uma espécie de patrono para os vanguardistas paulistas, mas também se uniu ao regionalismo de Gilberto Freyre – o clássico poema Evocação do Recife foi feito a pedido do amigo. Se um queria partir para Parságada, outro, Ascenso Ferreira, iria danado pra Catende, com uma postura parecida: trazia o universo de Pernambuco e do Nordeste com o despojamento e as novidades das vanguardas.

A presença de Pernambuco ao longo do século 20 na literatura brasileira continuou a ser de protagonista. Ainda hoje é difícil calcular a influência de João Cabral de Melo Neto na poesia contemporânea. Como poucos, ele inventou um veio próprio na literatura nacional, criando uma obra sóbria, pensada, que rejeitava antes de tudo os atalhos do lirismo e do sentimento fácil – sem nunca deixarem de ser profundamente humanas. Cão sem Plumas, Morte e Vida Severina, Quaderna e outras obras são reverenciadas e negadas por quem escreveu depois dele.
Na prosa, a ucraniana criada no Recife Clarice Lispector é um ponto incontornável nesse período. Seus livros são capazes de transformar os momentos que parecem mais banais em abismos internos – há sempre uma epifania à espreita dos personagens em obras como Perto do Coração Selvagem e A Paixão Segundo G.H. Hoje, a tradução para o inglês alçou Clarice a uma redescoberta nos EUA.

A literatura pernambucana se mostrou muito além. Na prosa, Osman Lins foi um dos principais autores da sua geração: o romance Avalovara, para citar apenas um, é um exemplar único de engenheira narrativa no mundo, sendo ele ainda um agudo crítico literário. Em paralelo ao teatro e à engenharia, Joaquim Cardozo produziu uma poesia marcante, com textos como Recife Morto, ainda que fosse avesso à publicação.

Reconhecidos pela dramaturgia, Ariano Suassuna e Hermilo Borba Filho foram imensos também na ficção – O Romance da Pedra do Reino e Sol das Almas, respectivamente, são destaques. Nelson Rodrigues, um pernambucano carioca, foi um dos maiores cronistas do país, além de resgatar folhetins e colunas sentimentais. Antonio Maria foi outro mestre das crônicas, versátil compositor e autor de rádio e TV; já Luís Jardim, de Maria Perigosa, teve atenção nacional; Mauro Mota, que atuou no JC, produziu artigos e poemas elegíacos e Carlos Pena Filho ficou marcado como o poeta do azul.

Boa parte da vida literária pernambucana ficou marcada pela Geração 65, de Alberto da Cunha Melo (que cuidava da página literária do JC), Lucila Nogueira, Marcus Accioly, Angelo Monteiro, César Leal, Celina de Holanda, Gilvan Lemos e Maria do Carmo Barreto Campello, entre outros. Mais tarde, surgiria o Movimento dos Escritores Independentes e a Edições Pirata, aprofundando a escrita à margem de editoras tradicionais.

A geração atual de autores traz nomes premiados e respeitados nacionalmente, como Micheliny Verunschk, Raimundo Carrero, Ronaldo Correia de Brito, Marcelino Freire, Sidney Rocha, Fernando Monteiro, Adelaide Ivánova, Mário Rodrigues, entre muitos outros. Entre as movimentações recentes, vale destacar as editoras independentes e artesanais, os slams (competições de poesia na rua) e o trabalho editorial da Cepe.