Do refino de açúcar ao de Petróleo

Fundado por dois irmãos empresários ligados à economia açucareira, o Jornal do Commercio nasceu mirando no moderno. Não por acaso tornou-se o veículo difusor da Semana de Arte Moderna de 1922, batendo de frente, a partir da figura de seu redator-chefe, Joaquim Inojosa, com o movimento regionalista liderado por Gilberto Freyre, que voltara dos Estados Unidos para criar o conceito, definindo e sistematizando argumentos e organizando propostas com o objetivo de reconhecer e revisar os valores da região Nordeste.

O cenário econômico pernambucano em que o Jornal do Commercio nasceu – segundo o pesquisador Olímpio de Arroxelas Galvão, num estudo sobre a economia de Pernambuco, publicado na Revista Econômica do Nordeste – foi o da perda dos mercados externos e de uma expansão considerável do seu parque produtor de açúcar. Um parque que veio de um processo de modernização e melhoria tecnológica, que transformou velhos engenhos em usinas.

E, como tudo que é ruim pode piorar, o açúcar e o algodão passaram a ter concorrência nos mercados de destino, como o aumento da produção em São Paulo. Pernambuco, o principal produtor no Brasil com 2,25 milhões de sacas (70%), viu São Paulo chegar a 14 milhões de sacas de açúcar nos anos 1950.

Diante das circunstâncias, as forças políticas de Pernambuco e Alagoas passaram a articular, com participação do Jornal do Commercio, a criação de um organismo federal de defesa dos seus interesses (o Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA), que nasceu com o objetivo inicial de pleitear a redução da oferta.

Mas o açúcar ancorou o surgimento de toda uma cadeia produtiva, que ajudou Pernambuco a diversificar sua base industrial para suprimento desse parque metalmecânico, assim como toda uma indústria têxtil para embalar o açúcar de exportação. E impulsionou um polo de indústrias alimentícias à base da commoditie da cana-de-açúcar no Estado, que Freyre transformou em elemento cultural, sociológico e antropológico.

No seu estudo sobre a decadência da economia de Pernambuco, Arroxelas Galvão diz que o fim do isolamento relativo, no qual vivia a economia do Nordeste em relação às áreas mais desenvolvidas do País, “acabou influenciando a perda de mercados do açúcar e algodão no mercado interno”.

ESTALEIRO Projeto veio na tentativa de ressurreição da indústria naval do País. Foto: Arnaldo Carvalho/JC Imagem.

Um exemplo dessa nova realidade pode ser constatado observando-se a ação dos comerciantes do Recife. Em 1943, quando os vapores da companhia de navegação Lloyd Brasileiro deixaram de trafegar na costa do Brasil, os comerciantes José Araújo Filho (Casas José Araújo) e Otávio Soares (Tecidos Vicente Soares) contrataram um caminhão para trazer sua encomenda de tecidos de São Paulo por terra. A compra foi acertada via telegrama.

No dia da chegada do caminhão ao Recife, o Jornal do Comercio publicou um anúncio de página inteira com a manchete “Inaugurada a ponte rodoviária Recife São Paulo”. A cabotagem tornara-se dispensável para o comércio.

A entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial trouxe mais conexão do Nordeste com o mundo por causa da instalação da base militar em Natal (RN) com o alojamento de tropas norte-americanas. O Recife foi a primeira cidade sul-americana a receber o refrigerante Coca-Cola e, também, a abrigar uma fábrica da bebida na região.

Isso não quer dizer que, na economia pernambucana, a indústria açucareira tenha perdido importância. Ao contrário, ela até assume o governo com a eleição do usineiro Cid Sampaio, em 1959, pela União Democrática Nacional (UDN). Cid foi um dos últimos empresários a governar Pernambuco, permanecendo até 1962 (o outro foi Nilo Coelho – 1967 a 1971).

Sua administração no governo do Estado foi voltada principalmente para a industrialização. Ele construiu a Companhia Pernambucana de Borracha Sintética (Coperbo), fabricante de borracha a partir do álcool de cana-de-açúcar, instalando-a no Cabo de Santo Agostinho, no Grande Recife, ao lado da Destilaria Central Presidente Vargas, que foi sua fornecedora. Também participou da fundação da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene).

A relação da Sudene com Pernambuco e sua economia é diferente da sua importância para os demais Estados da região. A própria eleição do presidente Juscelino Kubitschek em 1958 não teve participação de Pernambuco. O foco de sua administração, da criação de Brasília aos planos de desenvolvimento, não incluía a região.

Segundo a pesquisadora Lúcia Luppi Oliveira, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a criação da Sudene resultou da percepção de que se tornava necessário, assim, haver uma intervenção direta guiada pelo planejamento.

Mas, antes da eleição de Cid, o governador Cordeiro de Farias (1955 a 1958) tinha autorizado a constituição da Comissão de Desenvolvimento de Pernambuco (Codepe), que viria a ser o embrião da atual Condepe/Fidem.

Foi essa comissão que convidou o famoso frei dominicano Louis Joseph Lebret a vir a Pernambuco colaborar no plano que visava definir da localização de novas indústrias no Estado. Lebret é saudado na imprensa pernambucana, especialmente no Jornal do Commercio, por ter apontado a direção onde viria a ser construído o Complexo Industrial Portuário de Suape. Mas sua contribuição foi mais ampla, prevendo um pacote de investimentos que só viria a se tornar realidade quase 50 anos depois, como refinaria de petróleo, unidades do setor de cimento, metalurgia, mecânica e automóveis.

DÉCADA DE 1980 Imagem aérea do Complexo Industrial e portuário de Suape ainda no início do projeto de construção. Foto: Suape/Divulgação.

Mas, como adverte o professor Aldemir Martins em artigo assinado com o economista Jorge Jatobá e publicado no aniversário de 60 anos do trabalho, “Lebret praticamente ignorou a importância da agroindústria canavieira”, embora a sua visão da oportunidade da implantação de novas indústrias no Estado tenha sido a opção adotada, nos anos seguintes, a partir da criação da Sudene.
As propostas de Lebret na industrialização faziam todo sentido. Segundo o economista Jorge Jatobá, a queda da importância da indústria de Pernambuco em relação ao Nordeste foi bastante significativa. O peso na região caiu 11,7 e no Brasil 1,9 pontos percentuais entre 1949 e 1959. Portanto, Pernambuco na década de 1960 tinha uma indústria de transformação decadente.
O conceito de Suape se formou sob forte descrença durante o governo Nilo Coelho, escolhido pelos militares e sob rejeição dos empresários que defendiam, em posicionamentos classistas publicados no Jornal do Commercio, a expansão do Porto do Recife. A história faria de Eraldo Gueiros Leite, governador também indicado pelos militares (1971 a 1975), o fundador do projeto.
O projeto Suape deve sua existência a uma série de jovens gestores públicos. Mas um deles, o jornalista José Anchieta Hélcias, que assinava a coluna de Nordeste Dia-a-Dia no Jornal do Comercio, o transformou numa campanha institucional em defesa do porto. Foi Hélcias quem vendeu a Eraldo a ideia do projeto, levando os estudos técnicos feitos pelo almirante Paulo de Castro Moreira da Silva, diretor-geral da Fundação de Estudos do Mar da Marinha.

Anos depois, Hélcias revelou uma das conversas mais emocionantes da sua convivência com Gueiros: “Anchieta”, disse o governador nomeado, “esse almirante é uma pessoa estranha. Onde já se viu reunir-se com um governador às quatro horas da manhã. Um desavisado que nos vir pensará que voltamos de uma festa”.

Foto: Cheibra/Fundaj.

Eraldo Gueiros estava de mau humor. Mas a conversa com o almirante o deixou sem dúvidas sobre a localização de Suape. Na volta, Hélcias o advertiu: “Governador, lembro ao senhor que, se topar bancar o projeto de Suape, só vai inaugurar a pedra fundamental”. Gueiros pareceu resignado, antes mesmo de tomar posse: “Anchieta, governar é plantar carvalhos”.

Anchieta Hélcias, consultor

Movimentos industriais ao norte e ao sul

A história econômica de Pernambuco registra movimentos importantes do governo do Estado sobre o patrimônio do setor do açúcar. No primeiro, o governador Moura Cavalcanti (1975 a 1979) desapropriou 17 mil hectares da Usina Salgado para Suape, no Cabo. O segundo passo foi do governador Eduardo Campos (2007 a 2014), ao desapropriar 1.500 hectares da Usina Santa Tereza, pagos com 6.250 hectares comprados de fornecedores para a fábrica da Jeep, instalada em Goiana, no norte do Grande Recife. Os dois mudaram a economia pernambucana.

No caso de Suape, Marco Maciel, governador de 1979 a 1982, investiu U$ 100 milhões na fase preliminar da infraestrutura. Deu início, assim, a uma série de investimentos em outros setores, mudando o perfil do setor industrial, com desfecho no governo Eduardo Campos. O pacote de empreendimentos – como BR Food, Hemobrás, Estaleiro Atlântico Sul, PetroquímicaSuape e Refinaria Abreu e Lima –, estimado em R$ 24,5 bilhões, faria o Produto Interno Bruto (PIB) do Estado aumentar em R$ 54,2 bilhões, provocando também um aumento de R$ 20,5 bilhões no rendimento das famílias, segundo um estudo do Condepe Fidem de 2011.

INAUGURAÇÃO Ex-presidente Lula e ex-governador Eduardo em Suape, em 2009. Foto: Alexandro Auler/Acervo JC Imagem.

O caso da Jeep, não considerado no estudo, é mais emblemático. O projeto da Fiat estimado em R$ 7 bilhões foi previsto para Suape. Mas Eduardo Campos o levou para Goiana criando uma centralidade que se formava com as fábricas da Hemobrás e da Vivix, do Grupo Cornélio Brennand.

Foi um movimento rápido, coroando um ciclo de projetos que faria Pernambuco crescer 9,3% em 2010, chamado de “China brasileira”. O problema foi que o Estado foi de cem anos a zero em cinco anos. Com a crise a partir da Lava Jato e o desacerto da presidente Dilma Rousseff (2011 a 2016), o Estado encolheu 3,5% em 2015 e 4,5% em 2016. Mas a economia de Pernambuco vem mudando desde que Suape começou a se formar, alterando o perfil especialmente nos setores de transporte, distribuição e varejo.

Quando, em 1987, o empresário João Carlos Paes Mendonça, líder do Bompreço, terceira maior rede de supermercado do Brasil, adquire o SJCC no governo de Gustavo Krause (1986 a 1987), a economia de Pernambuco estava se direcionando para a implantação de projetos como shoppings centers, hotéis e turismo de negócios, a partir do Centro de Convenções, enquanto a indústria vivia uma grave crise. Segundo o economista Jorge Jatobá, entre os anos de 1985 e 2000, o PIB industrial dos Estado caiu em cinco pontos percentuais.

Mas a privatização da Companhia Energética de Pernambuco (Celpe), em 2000, a chegada do Tecon Suape e a construção do novo terminal do Aeroporto do Recife mudaram a dinâmica da economia. Negócios floresceram no Agreste. Vieram o polo de confecções, o polo de frutas de Petrolina e a formação do Porto Digital no Bairro do Recife.

Parte dessa recuperação veio da estabilidade criada pelo plano real, em 1994, do crescimento da economia da China e da ampliação de programas sociais como o Bolsa Família e do aumento do valor real do salário mínimo.

Enquanto a agroindústria canavieira perdia participação no peso da economia do Estado, Suape ganhava importância estratégica, sendo decisivo para a captura de empreendimentos como o Estaleiro Atlântico Sul, a PetroquímicaSuape e a Refinaria Abreu e Lima, num movimento que levou Pernambuco à condição de pleno emprego em 2010.

RNEST Refinaria Abreu e Lima veio no novo ciclo da indústria. Não foi totalmente concluída e saiu mais cara que o previsto. Foto: Heudes Regis/Acervo JC Imagem.

O caso da Refinaria é emblemático. Em 2010, sua construção estava estimada em R$ 17,25 bilhões, com sua conclusão prevista para 2014, quando deveria estar processando 200 mil barris/dia de petróleo. Ela já custou R$ 28 bilhões e produz hoje 100 mil barris/dia. Está no programa de desinvestimento da Petrobras.

O seu segundo trem está enferrujando no canteiro de obras. A performance da companhia em 2018, ironicamente, puxou para baixo o PIB industrial de Pernambuco.

O pacote de investimentos estatais que incluiu a Abreu e Lima (que chegou a ter 45 mil trabalhadores) virou o símbolo da corrupção da Petrobras, contaminado o Estaleiro Atlântico Sul e a PetroquímicaSuape, que custou R$ 4,5 bilhões a Petrobras e foi vendida por R$ 1,2 bilhão à mexicana Alpek.

O volume de crescimento no primeiro governo Eduardo permitiu o redirecionamento espacial da indústria local para o interior, especialmente na Zona da Mata, sob o argumento de que em Suape deveriam estar apenas as indústrias ligadas ao porto, ao setor naval ou à indústria petroquímica. Isso fez a Região Metropolitana do Recife e a região dominada por canaviais receberem mais de 80 indústrias, entre elas a BR Food, em Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata. Mas, em 2018, a participação na arrecadação do ICMS de Pernambuco foi de apenas 7%.

Jorge Petribú, empresário. Foto: Acervo pessoal.

Para sobrevier, o setor de açúcar de Pernambuco terá que mudar sua base agrícola, combinando a microirrigação com o plantio da cana-de-açucar com eucalipto; gerar energia a partir de biomassa e gás carbônico, além de agregar valor ao produto açúcar e etanol em vários formatos dentro de uma mesma unidade”,

Jorge Petribu, empresário

O futuro de Pernambuco estará sempre atrelado ao complexo agroindustrial formatado a partir da cana-de-açúcar. Mas vai precisar se diversificar, adverte o empresário Jorge Petribu, que lidera uma empresa que está há 290 anos na atividade. “E não será um caminho simples.”