Na telona e no palco, protagonismo

Em abril de 1919, o cinema já era uma arte com linguagem própria e uma indústria ramificada em todo o mundo. No Recife, a sua chegada, na virada do século, modificara a vida dos seus habitantes, que frequentam novas salas de espetáculos cujos nomes ainda hoje mantém um rastro de poesia, como Helvética, Pathé, Royal, Politheama e Moderno. Nos filmes, as estrelas de Hollywood e da Europa, como Mary Pickford, Francesca Bertini e Charlie Chaplin, dominavam as marquises dos cinemas da Rua Nova e da Rua Barão de São Borja, entre outras.

No ano seguinte, os italianos Ugo Falangola e J. Cambiere fundaram a Pernambuco Filmes. Parte das imagens foram compiladas no filme Veneza Americana, em 1924. A intensidade do cinema na vida da cidade influenciou “um grupo de jovens aficionados pela Sétima Arte”, contou o jornalista Jota Soares. Embora não fosse um movimento, o Ciclo do Recife foi primeiro surto de produção cinematográfica pernambucana, com a força de 30 jovens que, entre 1923 e 1931, realizaram 13 longas-metragens. No Cinema Royal, na Rua Nova, estrearam Aitaré da Praia (1925), de Gentil Roiz, e A Filha do Advogado (1926), de Jota Soares.

O cinema ganhou força no Recife na década de 1920. Aitaré da Praia é um dos marcos. Foto: Arquivo JC.

Desde a sua fundação, as páginas do Jornal do Commercio acompanharam de perto as novidades do cinema. Em 1942, o jornalista Caio de Souza Leão fez uma reportagem marcante sobre a passagem do cineasta americano Orson Welles pela cidade, numa noitada etílica pelo Bairro do Recife. Amin Stepple e Lírio se inspiraram nessa história para fazer o curta That’s a Lero-Lero, em 1994.

Nos anos 1950, o jornalista e cronista social José de Souza Alencar (Alex) estava entre os jovens críticos que fizeram o cinema renascer no Recife. Em 1952, o cineasta Alberto Cavalcanti convidou-o para assistente no longa O Canto do Mar. Até os anos 1970, a atividade crítica continuou em alta no Recife.Nesta época surgiu o boom do Movimento Super 8, que teve Celso Marconi, crítico do JC desde a metade da década de 1960, entre os seus participantes, ao lado de Jomard Muniz de Britto, Fernando Spencer e Geneton Moraes Neto. O encontro de uma nova geração de estudantes de jornalismo realizaria o filme que simbolizaria a retomada da produção, o marcante Baile Perfumado (1997), dirigido por Paulo Caldas e Lírio Ferreira, com a participação de Hilton Lacerda (roteiro), Cláudio Assis e Marcelo Gomes (produção).

Das páginas do JC, sairia também o cineasta Kleber Mendonça Filho. Crítico do jornal entre 1998 e 2010, Kleber chamou a atenção primeiro com uma série de curtas, até realizar o primeiro longa de ficção, O Som ao Redor, de 2012. Em 2016, ele levou à Seleção Oficial do Festival de Cannes o longa-metragem Aquarius, com Sonia Braga no papel de uma crítica de música aposentada que não permite que uma construtora derrube o velho prédio onde mora, na Praia do Pina. No final do ano passado, o jornal francês Le Monde colocou Aquarius na lista dos melhores filmes realizados nos últimos 70 anos, ao lado de obras-primas como Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa, Oito e Meio (1963), de Federico Fellini, e de O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969), de Glauber Rocha.

Aquarius é um dos mais bem sucedidos filmes pernambucanos. Foto: Victor Jucá/ Divulgação.

Papel de resistência

Ao folhear as páginas do Jornal do Commercio em suas primeiras décadas de circulação, observa-se uma cena teatral pulsante em Pernambuco, em especial no Recife. O cinema já começava a se popularizar, e alguns espaços, como o Teatro do Parque, dividiam-se entre as exibições de películas e peças. Ainda assim, a presença do público nas peças era forte, com sessões praticamente todos os dias da semana.

Nas primeiras décadas do século 20, o teatro de revista e as comédias eram os grandes chamarizes de público. A maioria das companhias vinham de fora, e os espetáculos locais não tinham uma fama positiva junto à população, como aponta o estudioso Leidson Ferraz em suas pesquisas.

Em 1931, surge o grupo profissional Gente Nossa, capitaneado por Samuel Campelo, à época recém-empossado diretor do Teatro de Santa Isabel. O coletivo, que atuou até 1942, teve significativa importância no estímulo ao surgimento de novos grupos e de casas de espetáculo nos subúrbios da capital pernambucana.

O médico Valdemar de Oliveira, que muito aprendeu com Campelo, é um dos principais responsáveis por manter o grupo após a morte de Samuel, em 1939. Naquele mesmo ano, Valdemar assume a direção do Santa Isabel e institui os domingos como dias voltados para peças infantis, o que fomenta a área e ajuda a formar plateia.

Em 1941, funda o Teatro de Amadores de Pernambuco (TAP). No Jornal do Commercio, Valdemar de Oliveira assinou colunas por cerca de 40 anos.

O TAP é fundamental na renovação do teatro pernambucano, aproximando-o da modernização da cena que já se instaurava no Sudeste do País. A figura do ensaiador é substituída pela do encenador, e nomes fortes das artes cênicas vêm ao Recife, como Zygmunt Turkow, Zbigniew Ziembinski, Adacto Filho, Graça Mello e Bibi Ferreira. Os textos também se distanciam do puro entretenimento, abordando temas mais complexos.

Originalmente ligado ao Gente Nossa e ao TAP, Hermilo Borba Filho dá vazão às suas buscas por outras formas de fazer teatro e em 1945 assume a direção do Teatro de Estudantes de Pernambuco (TEP) até o início dos anos 1950, quando se muda para São Paulo. De volta ao Recife, também contribui com o fomento da crítica teatral com textos para veículos como o JC.

Em um espaço montado pelo TEP na rua, reforçando seu compromisso com o social e aproximando o teatro das classes desprivilegiadas, encena peças próprias e também os primeiros trabalhos de Ariano Suassuna, que, ao seu lado, é um dos fundadores do Teatro Popular do Nordeste (TPN).

Além deles, o TPN conta em seu núcleo com Gastão de Holanda, Leda Alves, entre outros. Do paraibano Suassuna, cujos textos são até hoje referência, o grupo monta A Pena e a Lei, A Farsa da Boa Preguiça e A Caseira e a Catarina. Paralelamente, Hermilo funda o Teatro de Arena do Recife. Com seus trabalhos, busca um teatro nordestino, antenado às renovações cênicas e também ligado às tradições populares do nosso povo.

Ainda na década de 1960, ligado ao Movimento de Cultura Popular, é fundado o Teatro de Cultura Popular, com o apoio de Ariano, Hermilo, Geninha Sá da Rosa Borges, Luiz Mendonça, Ilva Niño, entre outros.

No Estado, também florescem os espetáculos ao ar livre, como a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém, e, com José Pimentel, a Paixão de Cristo do Recife, A Batalha dos Guararapes, entre outros, até hoje sucessos de público.

Pernambuco foi terreno fértil para a dramaturgia nacional, com, além dos já citados, nomes como Nelson Rodrigues, Osman Lins, Joaquim Cardozo e Luiz Marinho.
Na década de 1970, em meio à ditadura, surge a transgressão e talento do Grupo Vivencial, que levou para os palcos o brilho das minorias marginalizadas, como a comunidade LGBT. Com encenadores como Antonio Cadengue, o teatro local continuou a se renovar nos anos 1980 e 1990, e viu surgirem talentos como o dramaturgo Newton Moreno, o diretor João Falcão, além de grupos como o Angu e o Magiluth, hoje com inserção nacional.

O vivencial transgrediu em meio à ditadura. Foto: Ana Farache/Divulgação.

O teatro, por aqui, continua sendo de resistência diante da falta de incentivos e da escassez de pautas, o que fez florescer espaços alternativos, como o Poste, e coletivos com pesquisas pulsantes.