Centenária com espírito de start-up

Foi em 1989 que Jornal do Commercio iniciou o que, naquela época, era chamado de processo de “informatização”. Ainda não se falava na 4ª Revolução Industrial nem nas transformações que o mundo digital traria para todas as áreas do conhecimento – de governos às ciências exatas, de linguagem às finanças e relações sociais. Numa redação onde telefones eram artigos de luxo – tudo o que tínhamos à disposição eram três ramais e dois orelhões, telefones públicos de onde ligávamos para as fontes usando fichas de metal –, era impossível adivinhar que aquele era um caminho sem volta. Que em três décadas nossa produção estaria acessível instantaneamente em dispositivos que cabem na mão, em qualquer lugar do mundo.

No final da década de 1980, a ideia era instalar os primeiros computadores para substituir, aos poucos, as onipresentes máquinas de escrever. Era um tempo de laudas, carbonos, riscos e garranchos remendando textos que, copidescados e revisados, às vezes precisavam ser datilografados de novo para “passar a limpo”, antes de virarem uma chapa de impressão. Eu era estagiária de Ciência e Meio Ambiente e, talvez por sermos uma editoria pequena, fomos escolhidos para puxar a fila na substituição do tec-tec das teclas e carrosséis pelo digitar suave dos teclados.

Interface gráfica ainda não havia. Trabalhávamos com um sistema que rodava em DOS, tela preta e letrinhas verdes.
De “informatização” mesmo tinha pouca coisa. Na prática, usávamos aqueles antigos PCs beges como máquinas de escrever elétricas. Imprimíamos tudo o que digitávamos e corrigíamos no papel antes de “passar limpo”, com a vantagem de que não era preciso copiar tudo de novo. Quando a “informatização” começou a escalar, eram muitos os que se recusavam a usar o computador. Lembro bem do saudoso Sílvio Oliveira, uma lenda da crônica esportiva, que por anos levou debaixo do braço sua Olivetti portátil para conseguir escrever. Foi só quando o jornalista paulistano José Paulo Kupfer, consultor contratado para acelerar o processo, mandou recolher todas as impressoras da redação que descobrimos ser possível ler e corrigir textos no computador, contar caracteres e, enfim, aposentar os garranchos…

PELA INTERNET

Aquele processo penoso – que no fundo não acaba nunca, pois inovação é fluxo contínuo – era só o começo de várias iniciativas capitaneadas pelo JC. Em 1995, o jornal seria o primeiro do País a publicar as manchetes da primeira página naquela que era chamada a “grande rede mundial de computadores”, aposto obrigatório sempre que se falava de “internet”. Foi quando o JC embarcou na “Rede Cidadão”, da Prefeitura do Recife.

“Lembro que recebíamos os caracteres do JC via FTP, publicávamos e era grande a repercussão entre brasileiros que viviam no exterior, principalmente ligados a universidades. Eles ficaram emocionados por lerem as notícias de casa”, lembra Cláudio Marinho, então superintendende-adjunto da Emprel (empresa de processamentos de dados do Recife), que mais tarde seria um dos criadores do Porto Digital.

O jornalista Celso Calheiros, que editava o caderno de Informática do JC naquela época, se orgulha quando fala do projeto: “O JC foi o primeiro veículo de imprensa nacional a fazer uma leitura do que poderia representar, para a comunicação, a internet – antes mesmo da rede possuir sua versão gráfica, a web, hoje hegemônica.”

Em 1998, o jornal embarcou em outro projeto de peso, quando tornou-se parte do maior portal da América Latina, o Universo OnLine, hoje simplesmente UOL, um dos mais importantes conglomerados de tecnologia do País, com negócios nas áreas de finanças, conteúdo e armazenamento na nuvem. “O nascimento do JC Online, entre dezembro de 1997 e março de 1998, foi um parto natural e bonito. Passamos a ter alguns esboços de seção e duas salas de chat, o que era um avanço espantoso. Pela primeira vez com equipe própria. À parte do apoio da cúpula do Sistema JC, tivemos que ganhar a confiança dos colegas e romper um bloqueio natural diante de uma mídia completamente nova”, conta o jornalista Gilvandro Filho, que liderou o projeto.

Em 2011, o JC Online virou o Portal NE10, servindo de guarda-chuva para os veículos do SJCC: JC, Rádio Jornal e TV Jornal, além dos blogs e conteúdo do próprio portal. Tornou-se referência de jornalismo digital, angariando dezenas de prêmios nacionais e internacionais.

ALMA DE START-UP

Tudo isso aconteceu enquanto a tecnologia virava o mundo de cabeça para baixo, com impacto profundo na indústria de mídia. O duopólio Google-Facebook drenou as verbas publicitárias que eram as principais financiadoras da operação, provocando o desaparecimento de jornais e outros veículos de comunicação no mundo inteiro e fazendo os que sobreviveram procurar novas formas de monetização. Isso nos trouxe desde imagens melancólicas de antigas referências do jornalismo em seus extertores até realidades vigorosas quanto da reinvenção do Washington Post, uma verdadeira plataforma de pesquisa e lançamento de novos produtos e serviços, sob a batuta do CEO da Amazon, Jeff Bezos.

O JC chega ao seu centésimo ano apostando em experiências com alma de start-up, como o projeto Connect, que busca conhecer e interagir cada vez mais com nossa audiência, ou a TV JC, web TV montada no meio da redação para servir de nova plataforma para nosso conteúdo. Os desafios são enormes, mas é observando-os, pensando em soluções, prototipando e testando que chegamos ao século 21. Muito antes do conceito de “fail fast”, era assim que o JC caminhava. Tentando se reinventar, respeitando sua audiência, exercendo o ofício de informar tendo como principal compromisso, a cidadania.