Da Rozenblit ao Manguebeat

“Inauguração das instalações da fábrica de discos Rozenblit – O novo estabelecimento é considerado um dos mais bem aparelhados do País.” Abertura de uma matéria no Jornal do Commercio de 18 de dezembro de 1954, anunciando o início das atividades da gravadora mais conhecida como Mocambo, nome do principal selo da empresa da família Rozenblit, presidida até fechar as portas, nos anos 1980, por José Rozenblit. O Recife tinha uma exuberante produção musical escoada apenas pelas rádios locais. No entanto, em 1954, o único astro pernambucano da música popular era o exuense Luiz Gonzaga, que saiu do Estado com 18 anos, em 1930. Músicos e intérpretes que permaneciam no Recife raramente passavam de ilustres desconhecidos no Sudeste.

Gonzagão foi o primeiro pernambucano a estourar no País. Foto: Divulgação.

Com a Rozenblit, o panorama mudou. Antes, compunham-se dezenas de músicas para o Carnaval, uma pequena parte gravada no Rio, em tiragens limitadas para venda em Pernambuco, mesmo que em discos com os principais intérpretes do rádio brasileiro. Com a Rozenblit, criou-se um mercado interno no Estado, cuja indústria cultural tornou-se autossuficiente. As emissoras de rádio, e depois de TV, empregavam muita gente. A Rádio Jornal do Commercio, por exemplo, do grupo F. Pessoa de Queiroz, mantinha duas orquestras. Uma delas, a Paraguary, ostentava nomes como Jackson do Pandeiro, Sivuca e Luperce Miranda. A Mocambo tinha, portanto, onde divulgar seus discos. O Recife tornou-se a meca da música para artistas nordestinos. Para cá vieram os paraibanos Jackson do Pandeiro e Genival Lacerda, o alagoano Jacinto Silva, o baiano Gordurinha e o paraense Ary Lobo.

Essa autossuficiência, com a música pernambucana sendo consumida pelos pernambucanos (e em Estados vizinhos), deu aos artistas da terra notoriedade paroquial. O frevo só chegou ao primeiro grande sucesso nacional no Carnaval de 1957, com Evocação, de Nelson Ferreira. Foi Jackson do Pandeiro, porém, o único artista local (do elenco da Rádio Jornal do Commercio) a se tornar conhecido nacionalmente sem precisar sair do Recife. Já imensamente famoso na cidade, com a parceira Almira Castilho, em 1953, gravou um acetato com Sebastiana (Rosil Cavalcanti) e Forró em Limoeiro (Edgard Ferreira). Gravação precária, no auditório da Rádio Jornal do Commercio, com arranjos do maestro Clóvis Pereira. A Copacabana lançou um 78 rotações de Jackson com as duas músicas. O sucesso foi avassalador e duraria até os anos 1960.

Capiba e Nelson Ferreira eras estrelas da Rosenblit. Foto: Divulgação.

MOVIMENTOS

A Mocambo, porém, não mostrava interesse em gravar novos autores. A cena bossa nova e MPB pernambucanas pela Rozenblit era irrelevante. Alguma coisa do iê-iê-iê também (embora a gravadora lançasse discos da Jovem Guarda, feito os de Martinha e Bobby de Carlo). Adauto Michiles, ou Orlando Dias, gravou na Rozenblit, mas fez grande sucesso na Odeon. Foi um dos maiores vendedores de discos no início dos anos 1960. Paradoxalmente, pelos estúdios da Rozenblit, na Estrada dos Remédios, passou a maioria dos nomes do udigrudi pernambucano. Lá gravaram Flaviola, Lula Côrtes, Laílson e Zé Ramalho. “Citara e viola fazem som novo”, comenta o JC em 25 de maio de 1973, sobre o LP Satwa, de Laílson e Lula Côrtes. “Ave Sangria, o novo pop nordestino”, é o título, em 1974, do lançamento do grupo homônimo, que logo seria proibido pela censura da ditadura militar.

Nos anos 1970, os pernambucanos de sucesso foram Quinteto Violado e o pesqueirense Paulo Diniz, enquanto Naná Vasconcelos revolucionava a percussão na Europa e EUA. E somente nos anos 1980 estourou um dos mais bem-sucedidos artistas da música pernambucana, Alceu Valença. A partir de então, vieram Geraldo Azevedo, Lenine e, no início dos anos 1990, a cooperativa que virou movimento, o manguebeat de Chico Science & Nação Zumbi, Mundo Livre S/A…

Chico Science sacudiu com o manguebeat. Foto: Divulgação.