Zika traz olhares do mundo para o Brasil

Mariana Barros
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A partir de outubro de 2015, a comunidade científica de várias partes do mundo voltou os olhos para o Brasil, especialmente para Pernambuco: foram registrados, desde então, 437 casos de bebês nascidos com síndrome congênita do zika vírus no estado; há cerca de 300 ainda em investigação. Entre os casos notificados, houve 150 mortes. Os Estados Unidos foram um dos países que ligaram o alerta e passaram a investir em pesquisa e prevenção. Profissionais de grandes centros de saúde tentam compreender melhor a atuação do vírus no corpo humano. A nossa reportagem visitou dois desses centros e também uma universidade para saber como andam tais estudos.

Fundado em 1887, o National Institute of Health (Instituto Nacional de Saúde), entidade ligada ao departamento de saúde do governo dos Estados Unidos, é uma organização com 27 diferentes departamentos ligados a pesquisas e prevenção de doenças. Fica na cidade de Bethesda, a poucos quilômetros da capital americana, Washington D.C. A importância do instituto é medida pelas pesquisas desenvolvidas por lá: 153 vencedores do Prêmio Nobel receberam apoio do NIH em seus estudos. Entre elas, há estudos que levaram ao desenvolvimento da ressonância magnética, a compreensão de como certos vírus podem levar ao câncer, informações sobre o controle do colesterol e tantas outras.

Estivemos no NIH para tentar descobrir de que forma foram aplicados os muitos milhões de dólares do instituto em pesquisas de especialistas brasileiros que têm o zika e suas consequências como foco. O apoio chega tanto para os que trabalham no acompanhamento das crianças com microcefalia bem como para os que desenvolvem estudos relacionados ao zika vírus.

As tentativas de desenvolvimento de uma vacina contra o vírus recebe especial atenção. “Ter um entendimento melhor sobre o zika vírus é extremamente importante, não só para desvendar o que acontece durante a gravidez, mas também para poder aconselhar as gestantes e suas famílias sobre o vírus”, afirma a diretora do Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano, Catherine Spong. “Esta é a primeira vez, em muitos anos, que temos um vírus com efeitos tão devastadores, especialmente em mulheres grávidas. Um dos pontos mais importantes é que estamos começando a aprender sobre o efeito do zika a longo prazo”, explica, reforçando a importância do intercâmbio com pesquisadores brasileiros.

Spong também ressalta a urgência na liberação de recursos para financiar pesquisas realizadas no Brasil. “Usamos um mecanismo novo, que permite aos pesquisadores agirem com mais eficiência. Se alguém tem uma ideia para uma pesquisa, de um modo geral, espera de 9 a 10 meses para que a verba seja liberada. Com o zika, estamos liberando verba no período de 9 a 10 semanas. O NIH tem feito um alto investimento no Brasil, acompanhando mulheres, crianças e ajudando a desenvolver a vacina que seja capaz de combater o zika.”

Intercâmbio com Pernambuco

Uma das instituições beneficiadas com as verbas liberadas pelo INH é a Fundação Altino Ventura, com sede no Recife. A entidade pernambucana é referência em atendimentos oftalmológicos, mas, depois do surto do zika vírus, passou a se dedicar especialmente à reabilitação motora das crianças com a síndrome congênita. A médica Camila Ventura diz que a pesquisa que será desenvolvida pela entidade vai acompanhar as crianças atendidas na Fundação por cinco anos, com o objetivo de avaliar as consequências da síndrome a longo prazo.

“Essa é uma pesquisa inédita no mundo. Durante estes cinco anos, o governo dos Estados Unidos se compromete em investir em estudos e capacitações. A nossa equipe passa, então, a avaliar as crianças com microcefalia de forma global: na parte de comunicação, motora, sensorial. Diversas áreas serão abordadas e investigadas neste período.” A médica explica ainda o interesse dos americanos em pesquisas desenvolvidas no Brasil. “Os Estados Unidos desejam saber o que vai acontecer com essas crianças. Como nós, em Pernambuco, temos as crianças mais velhas com a síndrome, eles tentam saber como elas vão se desenvolver ao longo do tempo, entender melhor as consequências do vírus caso aconteça um surto por lá.”

O financiamento dos americanos vai servir para que a instituição possa aumentar o número de crianças atendidas. “Antes, atendíamos a 150 crianças com a síndrome. Depois do financiamento da pesquisa vamos atender mais 50”, afirma Camila Ventura, sabendo que o apoio ainda está longe do suficiente para o tratamento das crianças. “Temos hoje uma lista de espera com mais de 100 crianças, que necessitam de um acompanhamento na Fundação. Nosso sonho é conseguir dar assistência a todas elas, algo que não ainda conseguimos por falta profissionais. Ainda precisamos de mais ajuda.”

Por um sorriso de Ezequiel

Diana Félix fechou a loja que tinha para se dedicar a Ezequiel, o caçula entre os seus quatro filhos, hoje com 2 anos e meio. Os outros têm 13, 9 e 4 anos. Ela trabalhava fora de casa havia 15 anos; há 12 era dona de sua loja. O marido, Carlos Norberto Dias, também está sem emprego. Ex-zelador, pediu demissão para ajudar a cuidar do filho do casal diagnosticado com síndrome congênita do zika vírus. Não aguentou nem esperar para tentar ser demitido. “Saiu sem nada”, conta a esposa.

Ezequiel é um dos pacientes atendidos pela Fundação Altino Ventura. “Ele já fica em pé. Cada avanço é uma alegria nossa”, diz a mãe. “Um sorriso dele vale tudo: deixar de tomar banho, de comer e até de viver um pouco”, afirma. Mas isso é viver também”, corrige-se. “É tanto amor que, todos os dias, pergunto: ‘que amor é esse, meu Deus?’.”

CDC, Brasil e Porto Rico

Outra instituição americana que se dedica à investigação das consequências ligadas ao zika vírus é o Centro de Prevenção e Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Assim que o surto de microcefalia teve início no Brasil, em 2015, o centro preparou uma força tarefa em Porto Rico, país que faz parte do território americano e apresenta situações climáticas e urbanas parecidas com as do Brasil. Porto Rico registra também a presença do mosquito Aedes aegypti e já enfrentou surtos de dengue.

A ginecologista Denise Jenner, que conversou com a nossa reportagem, fez parte de uma equipe que foi enviada a Porto Rico para evitar que gestantes fossem infectadas pelo zika. “Distribuímos sprays repelentes para as gestantes e orientamos que elas não passassem muito tempo ao ar livre, expostas a mosquitos. E ainda que, se possível, dormissem em ambientes com ar condicionado ou com telas nas janelas”, relembra a médica. “Fizemos um trabalho educativo com essas mulheres para que elas evitassem contato sexual desprotegido com alguém que poderia estar com zika vírus. Outra estratégia que aplicamos em Porto Rico foi o controle da natalidade, assegurando que mulheres que não quisessem engravidar tivessem acesso a vários métodos contraceptivos.”

Além do trabalho de prevenção, a médica também acompanhou gestantes que foram infectadas pelo vírus. “Depois que essa mulher era identificada, monitorávamos a gravidez com cuidado, através de ultrassonografias. Depois do parto, também acompanhamos o bebê e fizemos testes adicionais na audição, visão, na tentativa de detectar qualquer outra anormalidade na saúde do recém nascido.”

A repórter Mariana Barros viajou a convite do Johnson & Johnson International Center for Journalists





Entrevista – Dr. Uriel Kriton

Professor da Universidade Emory, Atlanta (EUA), o médico Uriel Kriton é PHD em eco-epidemiologia de doenças infecciosas, com ênfase em doenças tropicais. Fez parceria com especialistas do Brasil em pesquisa sobre o Aedes aegypti. Ele revelou à nossa reportagem, em Atlanta, que ainda há muito a se desvendar sobre o vírus da zika.






O exemplo que vem de Campina Grande

Saiu do interior da Paraíba a confirmação de que o zika vírus era a causa do nascimento de crianças com microcefalia em todo Brasil. A médica ginecologista Adriana Melo, que atua com gestações de alto risco em maternidade pública do município, constatou, através do líquido amniótico de gestantes, a presença do vírus. Daí em diante a história de Adriana e das crianças com síndrome congênita do zika vírus se entrelaçaram e, desde de então, a médica vem trabalhado na busca por uma melhor qualidade de vida para mães e bebês. Na instituição em que trabalha, o Instituto Professor Joaquim Amorim Neto (Ipesq), ela ajudou a criar um centro de reabilitação voltado exclusivamente para as crianças com microcefalia.

“Desde o início, minha preocupação era: o que vai acontecer com essas crianças no futuro? Cheguei a achar que, quando descobrissem a vacina, elas seriam deixadas de lado – porque isso sempre acontece”, revela. “Com o zika, a gente viu que o Brasil não estava preparado para reabilitar criança nenhuma. Nem de zika, nem prematuros, nem de outras infecções, nem de paralisia cerebral por outras causas.” Ela lembra que existem alguns serviços de saúde dedicados à reabilitação. Mas, na maioria dos casos, as terapias servem para reduzir sequelas já consolidadas. A médica defende ainda que pesquisa e assistência devem caminhar juntas, sempre.

Foi alinhando a pesquisa com o acompanhamento nas terapias que Adriana e sua equipe perceberam a importância do tratamento intensivo na fisioterapia das crianças com a síndrome congênita do zika vírus. “A gente foi vendo que as crianças foram parando… Elas começavam a evoluir bem e depois não apresentavam desenvolvimento – ou chegavam até a regredir”, afirma. Uma paciente chamou a atenção da equipe do Ipesq: a mãe era fisioterapeuta e a estimulava todos os dias. Como resultado, o bebê evolui bastante. “Então, percebemos a necessidades de uma terapia intensiva nessas crianças. Começamos a busca de profissionais capacitados; a primeira pergunta que fazemos a esses profissionais que chegam aqui é: ‘você acredita na reabilitação’?”
Os desafios ainda são muitos, admite a médica paraibana. Não se sabe, por exemplo, se alguma das crianças vai andar. “O que a gente a gente promete é alcançar o mais alto potencial permitido a cada uma das crianças.” Ela lembra que o centro, como Organização Não Governamental, não sabe até quando terá dinheiro para investir na reabilitação das crianças com microcefalia.

Atualmente, 247 crianças de diversos municípios da Paraíba têm acompanhamento médico com neuropediatras, ortopedistas, gastro pediatras, além de fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos e terapeutas ocupacionais. Além disso o espaço disponibiliza um alojamento para as mães, que enfrentam longas viagens em busca de atendimento, possam passar até a semana – com comida, leite e fraldas disponíveis.

Na reabilitação neuromotora, a fisioterapia que tem trazido mais resultados positivos às crianças é a do Pediasuit, método americano baseado no treinamento de astronautas da NASA. “A terapia trabalha todos os membros do corpo dos bebês, trazendo grandes avanços para o desenvolvimento motor e também para o cognitivo”, avalia a fisioterapeuta Thamyris Regis. “O objetivo é inibir movimentos que consideramos errados e facilitar outros que a criança tem a capacidade de realizar, mas que ainda estão inativos.” Ela destaca ainda outro ponto avanço importante: “O Pediasuit também trabalha o fortalecimento do tronco e isso tem evitado a broncoaspiração, problema bastante comum nas crianças com a síndrome. Com um tronco fortalecido, fica mais fácil comer e tomar líquidos”.

Adriana Melo celebra as conquistas da equipe e das crianças: “Uma fisioterapeuta daqui disse algo muito bonito: que o trabalho que temos feito do controle do tronco está permitindo que as crianças vejam o mundo. Elas viviam de cabeça baixa. Vê-las conhecer o mundo não tem preço”.



Pernambuco espera reabilitação integrada

A realidade de Campina Grande é o sonho das mães de Pernambuco. Um único lugar com vários atendimentos disponíveis para evitar o desgaste na peregrinação em busca de fisioterapias e consultas – ideal para aquelas que vêm de longe para reabilitar seus filhos. “Eu saio de Frei Miguelinho (Agreste de Pernambuco, a 146 quilômetros do Recife) a uma hora da manhã pra pegar um ônibus em Surubim, às 4h. Chego ao Recife às 7h para a fisioterapia do meu filho, que dura 40 minutos. Muitas vezes, ele já chega cansado e não rende o que deveria”, conta Maria de Fátima Oliveira, mãe de João Miguel, que vai completar 2 anos. “Quando termina a terapia, não sei nem a hora que vou voltar pra casa. Tenho que esperar o ônibus da prefeitura que vem trazendo pacientes de outros hospitais e, muitas vezes, só chego à noite em casa. Fora isso, ainda tem mais outros médicos no Recife e também no meu interior.”

A rotina de Maria de Fátima é igual à de muitas outras famílias que seguem na busca pelo atendimento das crianças com síndrome congênita do zika vírus em Pernambuco. A UMA, Associação das Mães de Anjos, recebeu como doação uma casa espaçosa, no bairro do Barro, Zona Oeste do Recife. A ideia é que o local possa servir como ponto de apoio para mães, além de centro de consultas e reabilitação. “O nosso maior sonho é poder começar a realizar atendimentos no espaço.Já temos toda a estrutura, mas nos faltam profissionais e apoio para que esse desejo possa sair do papel, melhorando a qualidade de vida de mães e bebês, que peregrinam em busca de atendimento em todo Estado”, diz a presidente da UMA, Germana Soares.

Para ela, a descentralização das consultas interfere no desenvolvimento das crianças. “São poucas as mães que têm condições financeiras adequadas, e que podem pagar pelas terapias e consultas de seus filhos. Nesses casos, o desenvolvimento das crianças é muito superior ao de outras, que têm acesso a terapia de apenas 30 minutos, e uma vez por semana”, atesta Germana. “Já morreram muitas crianças por falta de acompanhamento adequado. São internadas por broncoaspiração e terminam morrendo por infecção respiratória. O governo precisa se responsabilizar por essas crianças. Nossos filhos não foram vítimas de um erro genético; foram todos vítimas de um descaso público.”

Zika em números

A realidade de Campina Grande é o sonho das mães de Pernambuco. Um único lugar com vários atendimentos disponíveis para evitar o desgaste na peregrinação em busca de fisioterapias e consultas – ideal para aquelas que vêm de longe para reabilitar seus filhos. “Eu saio de Frei Miguelinho (Agreste de Pernambuco, a 146 quilômetros do Recife) a uma hora da manhã pra pegar um ônibus em Surubim, às 4h. Chego ao Recife às 7h para a fisioterapia do meu filho, que dura 40 minutos. Muitas vezes, ele já chega cansado e não rende o que deveria”, conta Maria de Fátima Oliveira, mãe de João Miguel, que vai completar 2 anos. “Quando termina a terapia, não sei nem a hora que vou voltar pra casa. Tenho que esperar o ônibus da prefeitura que vem trazendo pacientes de outros hospitais e, muitas vezes, só chego à noite em casa. Fora isso, ainda tem mais outros médicos no Recife e também no meu interior.”

A rotina de Maria de Fátima é igual à de muitas outras famílias que seguem na busca pelo atendimento das crianças com síndrome congênita do zika vírus em Pernambuco. A UMA, Associação das Mães de Anjos, recebeu como doação uma casa espaçosa, no bairro do Barro, Zona Oeste do Recife. A ideia é que o local possa servir como ponto de apoio para mães, além de centro de consultas e reabilitação. “O nosso maior sonho é poder começar a realizar atendimentos no espaço.Já temos toda a estrutura, mas nos faltam profissionais e apoio para que esse desejo possa sair do papel, melhorando a qualidade de vida de mães e bebês, que peregrinam em busca de atendimento em todo Estado”, diz a presidente da UMA, Germana Soares.

Para ela, a descentralização das consultas interfere no desenvolvimento das crianças. “São poucas as mães que têm condições financeiras adequadas, e que podem pagar pelas terapias e consultas de seus filhos. Nesses casos, o desenvolvimento das crianças é muito superior ao de outras, que têm acesso a terapia de apenas 30 minutos, e uma vez por semana”, atesta Germana. “Já morreram muitas crianças por falta de acompanhamento adequado. São internadas por broncoaspiração e terminam morrendo por infecção respiratória. O governo precisa se responsabilizar por essas crianças. Nossos filhos não foram vítimas de um erro genético; foram todos vítimas de um descaso público.”


Bebês com microcefalia ainda sofrem com falta de assistência em PE


 


Pesquisadores de Pernambuco e dos EUA se unem contra a microcefalia


Mães de bebês com microcefalia sofrem com assistência longe de casa


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13 de março de 2018

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