Habilidades físicas como rolar, sentar e andar, assim como a capacidade de segurar os brinquedos e manipular objetos, são detalhes que são considerados para se analisar o desenvolvimento motor de cada criança, que deve ter o tempo individual respeitado para se avaliar qualquer progresso. No caso dos pequenos que nasceram com a síndrome congênita do zika, reconhecer essa singularidade é essencial, pois cada conquista varia de acordo com as lesões neurológicas.
Matheus faz sessões de Therasuit, método baseado numa roupa, criada por pesquisadores russos, para contrapor efeitos negativos vividos pelos astronautas (atrofia muscular, por exemplo) devido à falta de ação da gravidade em viagens espaciais
“Há crianças com grave comprometimento motor, descrito como paralisia cerebral (conjunto de distúrbios que afetam o movimento e a postura), cujas causas são diversas (além da infecção congênita). Pelo comprometimento decorrente da ação direta do zika, percebe-se dificuldade de desenvolvimento dos pontos de vista cognitivo e motor. Alguns pacientes têm limitações para fazer movimentos, mas outros conseguem mexer braços, mãos e pegar um objeto”, esclarece o infectologista Demócrito Miranda Filho, integrante do Grupo de Pesquisa da Epidemia da Microcefalia, do qual fazem parte profissionais ligados a instituições de Pernambuco, de regiões dos Estados Unidos e da Inglaterra.
E como a coordenação motora é a capacidade de sincronizar os movimentos usando cérebro, músculos e articulações, com o apoio de outros sentidos (como visão e audição), várias atividades oferecidas ao longo dos primeiros mil dias de vida funcionam como uma espécie de empurrãozinho para o cérebro entender melhor os estímulos. Tudo isso pode acontecer sobre um tapetinho – item que faz parte das sessões de reabilitação. É sobre essa peça de acomodação que se espalham brinquedos que estimulam vários órgãos do sentido, o que faz os pequenos entrarem em contato com sensações que ativam o cérebro e transformam cada experiência terapêutica em aprendizado. Sobre a superfície, sessões de fisio e terapia ocupacional são conduzidas para melhorar movimento, equilíbrio e postura, o que ajuda a incentivar o desenvolvimento do controle da cabeça, a fazer tentativas de pegar objetos e a abrir as mãos quando encostadas no chão.
“Depois de 1 ano de idade, é importante a reabilitação ter um foco. Às vezes, investe-se só na parte motora e, na realidade, a criança precisa de reforço na parte cognitiva. Já os casos mais leves da síndrome congênita do zika possuem boa interação social, mas um quadro motor muito grave. Por isso, direcionamos as atividades”, explica a neuropediatra Vanessa Van Der Linden.
O pequeno Matheus, 2 anos e 6 meses, já passou pela etapa inicial da reabilitação, uma fase em que se reforça a oferta de estímulos multissensoriais. Agora ele já passa por atividades da neuropsicologia (área que busca compreender os distúrbios cognitivos decorrentes de lesões cerebrais congênitas ou adquiridas) e por sessões de Therasuit, método baseado numa roupa, criada por pesquisadores russos, para contrapor efeitos negativos vividos pelos astronautas (atrofia muscular, por exemplo) devido à falta de ação da gravidade em viagens espaciais.
“Ele começou fazendo Therasuit todos os dias, três horas por dia. Agora está em manutenção, realizando a atividade três vezes por semana”, conta a mãe de Matheus, a bancária Isabel Albuquerque, 40 anos. Para ela, o trabalho tem sido valioso para o amadurecimento sensorial e o desenvolvimento cognitivo do filho. “Com essa atividade, ganhou peso, deixou de salivar com frequência e melhorou a postura da cabeça, que não fica mais sempre baixa.”
Pais de Matheus, Isabel e Moisés Albuquerque sempre tiveram a preocupação de correr contra o tempo para manter o pequeno em atividades de reabilitação
Na escola particular onde estuda há quase um ano, Matheus também tem apresentado ganhos. Ele participa das atividades sentado em cadeira adaptada para manter a postura correta. Gosta de segurar o giz de cera para fazer as tarefas e sabe manter a concentração. “Cada vez mais, ele tem interesse pela escola, e isso me deixa feliz”, relata Isabel, que não mede esforços para alavancar os potenciais de Matheus.
Isabel Albuquerque, mãe de Matheus, em depoimento a Cinthya Leite
Já se passaram 2 anos e 6 meses desde o dia do nascimento de Matheus, ocasião em que soube da suspeita de microcefalia, um diagnóstico confirmado meses mais tarde. Hoje eu entendo tudo de uma forma menos confusa do que em 2015, embora o que acontece com essas crianças ainda é muito novo. As complicações surgem a cada mês. Digo isso porque acompanho um grupo com mais de 400 mães de crianças com a síndrome congênita do zika, com gravidades diferentes (Isabel é vice-presidente da União de Mães de Anjos, que dá assistência a essas famílias). Quem tem acompanhado tudo desde o começo até este segundo ano de vida das crianças acha que já se enfrentou tudo o que se tinha que passar, mas cada dia surgem novos comprometimentos, que só nos fortalecem. Fazemos tudo o que está ao nosso alcance para melhorar a qualidade de vida dos nossos filhos. Desde a maternidade, meu marido e eu tivemos a preocupação de correr contra o tempo para iniciar as atividades de estimulação precoce com Matheus. Com 1 mês, ele já fazia fisioterapia, fono, terapia ocupacional, estimulação visual e auditiva. Hoje ele já vai para a psicóloga e faz Therasuit (método para indicado para pessoas com desordem neuromuscular e que precisam de repetições intensas de exercícios para promover a habilidade motora). Dentro de uma gaiola, ele usa uma roupa que parece de astronauta e fica suspenso através de cordas elásticas. Ele também usa pesos para trabalhar os membros inferiores e superiores. O plano de saúde passou a cobrir as sessões depois que entramos com uma ação na Justiça e conseguimos uma liminar. E assim todos os dias de Matheus são ocupados. Pela manhã, vai à escola. À tarde, três vezes por semana, ele tem o Therasuit, faz fisioterapia terça e quinta à tarde e, por duas vezes durante a semana, ele chega mais tarde à escola porque inicia fonoterapia, terapia ocupacional e neuropsicologia às 7h. Ele tem se desenvolvido muito: se a gente coloca algo no braço do sofá, vai lá buscar. O quadro (de lesão pela zika) dele é moderado, em comparação a outros casos. É um filho que me enche de orgulho quando fica em pé nas terapias, quando bate palmas ao ouvir a música de parabéns e quando dá um riso lindo ao escutar o assovio do pai. Conto com a ajuda da minha sogra, que jogou tudo para o alto e foi viver conosco para dar suporte nesta jornada. E Matheus não aperreia, é tranquilo, adora ver a rua e passear. Só temos que levantar as mãos para o céu e agradecer.
13 de março de 2018