Para encobrir os rastros da Revolução de 1817, o rei Dom João VI mandou apagar, queimar e eliminar todos os documentos dos 75 dias que durou o governo provisório na República de Pernambuco. Atas foram destruídas, rasuradas ou queimadas. A intenção era obliterar a memória do período e sufocar qualquer novo movimento libertário. Para a Coroa, era interessante fingir que nada tinha acontecido. Mas algumas páginas raras atravessaram 200 anos, venceram a corrosão dos séculos, as ordens reais e virarão livros.
Graças a um trabalho minucioso de uma equipe do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Apeje) tendo à frente o historiador Hildo Leal da Rosa, os relatos não se perderão. Cerca de 300 documentos referentes à Revolução de 1817 e à contra-revolução, no caso, a reação da Corte Portuguesa, foram encontrados. Desse total, 107 foram digitalizados e serão publicados este ano, dentro das comemorações do bicentenário.
"O que aconteceu antes da Revolução foi preservado, mas aquilo que foi produzido no governo revolucionário está riscado e rasurado. Sempre com a informação de que aquilo tinha sido feito com ordem do rei.
Os registros estavam no arquivo da antiga secretaria do Governo do Estado e ultrapassaram governadores indicados pelo Rei, pelos militares e os eleitos pelo povo. "São documentos raros porque serviam de prova da participação de algumas pessoas no movimento", explica Hildo Leal, atualmente à frente do setor de manuscritos. "Por essa documentação gerada em Pernambuco, nas capitanias vizinhas e até no Rio de Janeiro a gente vai percebendo o que aconteceu: as lutas, os ataques, as fugas, e o governo real tomando de volta o poder", grifa.
"Apague a memória da Revolução", diz a nota, em tom imperativo, escrita nas páginas rasuradas dos manuscritos. A ordem era expressa do rei, que tentou destruir a memória do movimento revoltoso que buscou a independência de Portugal. Enquanto explica as descobertas, Hildo mostra duas atas das Câmaras de Olinda e Igarassu e chama atenção para a tinta forte por cima dos registros entre os dias 6 de março e 20 de maio de 1817, numa tentativa de apagá-los. Tudo para esquecer que a revolta ameaçou os interesses reais.
"O que aconteceu antes da Revolução foi preservado, mas aquilo que foi produzido no governo revolucionário está riscado e rasurado. Sempre com a informação de que aquilo tinha sido feito com ordem do rei. Quando o governo revolucionário termina, volta-se a produzir normalmente. Eles (membros da Corte) usavam, inclusive, um termo interessante: mandavam desentranhar as informações do período", conta Hildo.
Nas atas de Olinda, inclusive, é possível observar páginas que foram cortadas. As de Igarassu estão mantidas, mas totalmente riscadas, e é impossível de ler qualquer registro. A documentação, embora seja toda de caráter oficial, revela autoridades se correspondendo, dando e recebendo ordens.
Mas não só registros oficiais foram descobertos. Pedidos de comendas e pensões estão registrados nos papéis. Como o caso da viúva Luiza da Silva Barros, que escreveu uma carta pedindo ao governador indicado por Portugal após à revolução, Luiz do Rego Barreto, para receber a pensão do marido, que era sargento-mor e lutou ao lado das tropas reais. "Ela pede isso embora um filho seu tenha sido participante ativo da revolução", conta Hildo. Os registros da época apontam, claramente, que o filho de Luiza foi um revolucionário "rebelde, ativo e corajoso até o patíbulo (forca)".
Laurindo Ferreira
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