Um lobby pelo caminhar
É preciso um lobby pelo caminhar. Urgentemente. Tão histórico e forte quanto o do automóvel, tão insistente e persistente quanto o da bicicleta. A sociedade precisa ser estimulada a brigar por mais do que boas calçadas ou ao menos a existência delas. É preciso mais, muito mais. Exigir uma infraestrutura voltada para a mobilidade a pé.
Mas não era para ser assim. A caminhabilidade deveria ter mais vez e voz nas metrópoles. A realidade das cidades mostra essa urgência. Entre os tipos de transporte ativo – movido pelas pessoas, sem uso de motor –, o caminhar é o mais comum. Na verdade, o brasileiro anda, e muito, é a pé. O relatório 2016 do Sistema de Informações da Mobilidade Urbana da ANTP, confirma o que os outros já diziam: 26% das viagens realizadas no País são a pé. O transporte coletivo responde por 49% dos deslocamentos, o automóvel por 20%, as motos e as bicicletas por 4%.
É fato que, mesmo com a melhor infraestrurura de mobilidade a pé, longas distâncias nunca seriam percorridas pelos pedestres nas cidades. Percursos de até dois quilômetros são considerados o ideal para convencer a sociedade a utilizar o caminhar como modal de transporte, aponta Hellem Miranda, do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema). O caminhar nunca vai substituir o automóvel, a moto e o transporte coletivo. Essa, aliás, nunca foi a pretensão dos que batalham pela caminhabilidade no Brasil. Mas, se estimulado, poderia ser incorporado por muitas pessoas que enfrentam deslocamentos curtos no dia a dia.
Além disso, se integraria perfeitamente a uma rede de mobilidade urbana essencial para as cidades. “É preciso lembrar que as estatísticas sobre os deslocamentos a pé são subnotificações porque as pesquisas excluem os percursos com menos de 500 metros. Ou seja, temos muito mais gente do que os 30% estimados para identificar as pessoas que usam o caminhar como transporte no País de forma geral. Agora, para atrair mais e mais pessoas é muito mais importante tornar a rua atrativa para o caminhar do que fazer calçadas, por exemplo.
“O primeiro ponto a ser observado são as possibilidades de acessar, caminhando, áreas de lazer, comércio e entretenimento, como parques, lojas, restaurantes, museus, entre outras formas de atividades sociais e culturais. Ruas cheias de gente atraem para o caminhar”, destaca Hellem Miranda. Num segundo momento, se analisa as condições do caminho que precisa ser percorrido até o destino. Nesse aspecto, a percepção que temos do ato de caminhar – nossa predisposição para optar por essa forma de deslocamento em detrimento de outras – também está intimamente ligada à qualidade das calçadas. Passeios públicos que atendam os princípios pelos quais deve ser norteada a construção de uma calçada estimulam os deslocamentos a pé e, como consequência, elevam a qualidade de vida nas cidades.
Repensar a forma como nos deslocamos, mais do que uma tendência, tem se tornado uma diretriz de planejamento urbano em grandes cidades do mundo. Amsterdã, Copenhague, Helsinque, Zurique, Hamburgo – todas caminham em direção a um futuro onde as ruas terão cada vez mais pessoas e menos carros.