Mil dias que valem ouro

Já se passaram quase 2 anos e meio desde que o Jornal do Commercio anunciou com exclusividade a explosão de casos de recém-nascidos com microcefalia, que se tornou a malformação congênita mais associada ao zika. Muitas dessas crianças já completaram (ou estão prestes a atingir) os seus primeiros mil dias de vida, contados desde o primeiro dia de gestação. Famílias e especialistas revelam, nesta série de reportagens, como tudo o que cerca esse período é valioso para o amadurecimento infantil. Vamos explicar como essa fase passou a ser uma janela de oportunidades para o desenvolvimento. Para isso, caminhamos sobre aspectos relacionados à sociabilidade, cognição, audição, visão e coordenação motora. Além disso, mostraremos como as pesquisas têm avançado para dar respostas a dúvidas sobre o vírus e os anos futuros dessas crianças.

Há uma máxima, validada pela pediatria moderna, que os especialistas (e também algumas famílias) sabem de cor: o comecinho da vida pode influenciar todo o restante dela. Esse momento inicial da nossa existência é tão importante que a ciência já reconhece os primeiros mil dias de vida como um intervalo de ouro, com poder para ditar o destino da criança não só em termos biológicos (crescimento e desenvolvimento), como também em questões intelectuais e sociais. Neste momento em que já se passaram quase 30 meses desde o anúncio inédito, feito pelo Jornal do Commercio, sobre a explosão no número de bebês que nasceram com microcefalia (a malformação mais conhecida da síndrome congênita do zika), a ciência analisa como a infecção pelo vírus tem influenciado as habilidades cognitivas, comunicativas, motoras e sociais das crianças da era zika.

Crianças participam de atividades de reabilitação, ao lado das famílias, na Fundação Altino Ventura, no Recife

Só em Pernambuco, onde a síndrome se mostra mais frequente, foram confirmados 437 casos de bebês que nasceram com complicações possivelmente relacionadas à infecção pelo zika. Assim como Helloá, Matheus, Arthur e Beatriz, que terão suas histórias contadas neste especial multimídia, muitas dessas crianças já atingiram (ou estão prestes a completar) os seus primeiros mil dias de vida. O cálculo matemático dessa fase contempla os 270 dias da gestação e 730 dias do nascimento até os dois anos de idade. Alcançado esse tempo, os médicos e demais profissionais de saúde conseguem apreciar o potencial dos pequenos e a forma como a infecção pelo vírus, ocorrida na gestação, tem impactado a saúde global, com desfechos que podem ser sentidos ao longo de toda a infância e dos anos futuros subsequentes.

O neuropediatra Lucas Alves, do Imip, estuda o desenvolvimento das crianças expostas ao zika

“Estamos avaliando o desenvolvimento das crianças com a síndrome congênita do zika a partir de quatro aspectos: linguagem, sociabilidade, coordenação motora fina (associada a movimento de pequenos músculos, como escrever, coordenar os movimentos das mãos e dos olhos, mover olhos e lábios) e coordenação motora grossa (associada a atividades que envolvem músculos maiores do corpo, resultando em movimentos como sentar, sustentar a cabeça, usar braços, pernas e pés, andar e correr). Aos 2 anos, percebemos que elas têm um desenvolvimento global comparado ao de uma criança de 2 meses e meio”, diz o neuropediatra Lucas Alves, do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip).

O médico, que desenvolve tese de doutorado sobre o tema na instituição, explica que o espectro da síndrome congênita engloba casos com gravidade variada, mas destaca que todo o investimento e o cuidado dedicados nessa fase da vida são capazes de minimizar complicações associadas à zika, como distúrbios auditivos e visuais, problemas de linguagem, comprometimento motor e transtornos cognitivos – aqueles que interferem na percepção, na atenção e no raciocínio.

A gravidade com que essas alterações vão aparecer, ao longo do desenvolvimento infantil, pode ser decorrente do quão agressivo o agente infeccioso foi na gestação – ou seja, tudo depende da força do zika na base dos primeiros mil dias de vida. “O vírus altera a migração neuronal (processo pelo qual os neurônios se deslocam de sua origem para o seu local permanente no cérebro), que se inicia na 12ª semana de gestação e termina entre 28 e 30 semanas de gestação. Uma teoria mostra como a infecção pelo zika intraútero altera essa migração e leva a lesões cerebrais”, explica o médico Pedro Pires.

O médico Pedro Pires acredita que o zika vírus altera a migração neuronal

Coordenador de Medicina Fetal do Centro Integrado de Saúde Amaury de Medeiros (Cisam), ele sublinha o leque de aprendizado que a epidemia do zika trouxe e como isso ajuda a superar complicações. “Para muitas dúvidas, ainda não temos respostas. Mas isso não impede de se buscar soluções nem significa que nada pode ser feito (para quebrar barreiras)”, acrescenta Pedro Pires, com a certeza de que a maneira com que as famílias, a medicina, a ciência e a saúde pública vivenciam o impacto da zika é capaz de influenciar os primeiros mil dias e, consequentemente, o desenvolvimento para uma vida inteira.


Expediente

13 de março de 2018

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