Para alguns, a solidariedade está no sangue. Outros aprenderam a exercitar a empatia e a olhar o mundo através dos olhos de quem mais precisa. Seja qual for a motivação, o trabalho voluntário tem transformado a vida daqueles que dedicam parte do seu tempo em prol de um mundo melhor. Conheça as histórias de quem é Papai Noel o ano inteiro.
O relógio marca 20h e uma fila de pessoas de várias idades se forma na Praça Dezessete, no Centro do Recife. Para muitas, é a chance de fazer a primeira refeição do dia. Quem prepara e distribui os lanches são os voluntários do Grupo Sou Grato. Há dois anos, eles assumiram o compromisso de ajudar não só as pessoas que vivem no local em situação de rua, mas também as que moram nas comunidades do entorno em condições de vulnerabilidade social.
“Participava de outros grupos antes de formar o meu e via a realidade dessas pessoas. São abandonadas e invisibilizadas”, desabafa a enfermeira Mariana Farias, 26 anos, que coordena o projeto. O dia das ações foi decidido a partir de um levantamento realizado por ela. “Na segunda quinta-feira do mês poucos projetos atendem essas pessoas, que acabam sem comer. Por enquanto, só temos condições de ir uma vez no mês, mas o objetivo é ir quinzenalmente.” O cardápio inclui sanduíches, bolo, cuscuz, biscoitos, café e suco. São mais de 220 refeições.
A iniciativa impacta a vida de pessoas como Ciraneide Colaço, 38. Moradora de uma comunidade no bairro de Santo Antônio, ela recebe R$ 82 mensais de Bolsa Família para alimentar seis filhos. Somente de aluguel, são R$ 250. “Vendo latinhas para completar a renda. Já aconteceu de alimentar meus filhos pela primeira vez aqui.”
“O nome do projeto diz muito. A gente precisa olhar a realidade do outro e ser grato pelo que tem”, defende Mariana.
Informações: 99990-2886
Quando o ritmo das ondas dita a força dos especiais
Uma vez por semana, as águas da Praia do Zé Pequeno, em Olinda, Grande Recife, se enchem de solidariedade. Há dez meses, os surfistas Diego Siqueira, 36 anos, e a mulher Fabrisia Pordeus, 36, oferecem aulas gratuitas de surf a portadores de necessidades especiais. A Escolinha nasceu com a missão de incentivar a prática do esporte no Estado, mas logo tomou forma de ação social. Hoje, já atende mais de uma dezena de alunos semanalmente.
A dona de casa Eriverica Santos da Silva, 41 anos, acompanha o filho Renan, de 12, toda semana. “Meu filho é autista e tinha dificuldades em se relacionar com outras pessoas. O surf ajudou muito na socialização dele”, conta. Além de autistas, a escolinha promove a inclusão de portadores de síndrome de Down e paralisia cerebral.
“Eles participam das atividades junto a pessoas sem deficiência. Isso os ajuda a ver os exemplos daqueles que têm mais facilidade e a enxergar até onde podem chegar”, destaca Fabrisia. “A gente começou sem saber se daria conta do que estava se propondo a fazer. É incrível ver como as crianças se adaptaram e como elas vêm evoluindo motora e socialmente”, completa Diego.
Sem apoio financeiro, Diego Siqueira, que é vigilante, e Fabrisia, designer de moda, bancam as despesas do próprio bolso. “É um trabalho por amor ao esporte, que já nos trouxe tantas coisas boas. O sorriso de cada um é o que nos motiva”, resume Fabrisia.
Informações: 99890-4885
Cores traçam um futuro de mais oportunidades
Menos de 300 metros separam o muro cinzento do Complexo Prisional do Curado, no bairro do Sancho, Zona Oeste do Recife, da sede de um projeto que há uma década colore a vida de crianças e adolescentes moradores da área. Quem vê o pequeno box onde funciona a ONG Cores do Amanhã, não imagina o tamanho do impacto causado pela organização: mensalmente, cerca de 450 pessoas com idades a partir de 5 anos têm acesso a mais de 20 oficinas gratuitas.
Foi na casa da família da grafiteira Jouse Barata, 36 anos, que tudo começou. “Éramos quatro grafiteiros. Minha mãe já ajudava no bairro e nos cedeu o terraço para que a gente realizasse oficinas de grafite com as crianças. O que a gente queria era trazer arte e cultura para os jovens. No Sancho, tínhamos presídio, delegacia e cemitério, mas nenhum centro cultural para evitar que os meninos ficassem na rua e acabassem se envolvendo com o tráfico”, lembra.
A procura aumentou e novos voluntários uniram esforços pela causa. A sede só chegou em 2009, quando o projeto recebeu um prêmio cultural. Hoje, as oficinas incluem karatê, jiu-jitsu, capoeira, dança popular, ioga, artesanato, grafite, balé, Libras, recreação, música e break. As atividades também foram estendidas a adultos e idosos. As aulas acontecem todas as noites na sede e, durante o dia, de forma itinerante em comunidades do Grande Recife. Toda as ações são custeadas através de doações e da contratação da ONG para trabalhos de grafitagem.
O técnico em elétrica Washington Araújo, 45, foi aluno de karatê na ONG e hoje dá aulas para crianças. “É uma forma de retribuir tudo o que aprendi. É muito gratificante ver as conquistas desses meninos, que treinam sem material ou estrutura.” Ele mesmo já precisou costurar os quimonos para que os jovens pudessem participar de competições. Um esforço recompensado: o grupo foi finalista do campeonato pernambucano de karatê no mês de novembro.
A professora Irene Mendes, 43, é mãe de Arthur Guilherme, 8, que pratica o esporte há um ano. “Meu filho tinha depressão e não queria mais viver. Depois do Cores do Amanhã, é outro menino. Meu coração é só felicidade.” Para Jouse, são resultados como esses que servem como motivação. “O trabalho voluntário me deu uma vida”, resume, emocionada.
Informações: 98876-3593
Ritmo que conduz a vibração
Quando ouviu de um professor especializado em inclusão de deficientes que surdos não eram capazes de tocar instrumentos de sopro, o pedagogo Carlinhos Lua, hoje com 49 anos, decidiu provar que o especialista estava errado. Ele fez da ideia seu trabalho de conclusão de curso (TCC) na graduação e, posteriormente, sua missão de vida. Através do Instituto Inclusivo Sons do Silêncio, Carlinhos atende 150 pessoas surdas ou com múltiplas deficiências desde 2015.
É através da vibração que os alunos aprendem a diferenciar graves, agudos e notas musicais. “Desenvolvi uma metodologia chamada Casa Inclusiva. Ensino simultaneamente a teoria musical e a prática do instrumento. Como o surdo é muito visual, eu demonstro e eles repetem. Quando o som sai certo, eu escrevo na partitura, para que eles associem a nota àquela figura”, explica.
O primeiro aluno aprendeu a tocar saxofone. Não demorou muito para que a fama de “primeiro saxofonista surdo do Brasil” atraísse outros interessados. Hoje, os alunos tocam também flauta e outros instrumentos, como violino, teclado e violão. “Nosso objetivo é apresentar para a sociedade o deficiente empoderado, capaz de fazer tudo”, defende Carlinhos. O professor sonha ainda mais alto: quer criar o que acredita ser a primeira banda filarmônica de surdos do País.
Camilly Lins, 12 anos, chegou ao projeto no início do ano, através do Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueira (Imip), onde é acompanhada por fonoaudiólogos. “Assisto a vídeos em casa com meu pai e consigo sentir o som da orquestra através da caixa de som. Acho muito bonito”, conta a estudante, que toca violino. A advogada Maria Carolina Lins, 34, mãe de Camilly, já percebe os benefícios da música na vida da filha. “Depois que entrou para o projeto, ela teve oportunidade de conviver com outras crianças como ela. Está fazendo o que gosta, sinto ela mais leve”, conta.
Em 2016, o projeto foi incubado no Porto Social, que oferece suporte a ONGs e iniciativas de impacto. Mas as dificuldades ainda são grandes. Isso porque não existem instrumentos para todos e, principalmente, porque o projeto não tem sede própria. Para os surdos, as aulas acontecem em um espaço cedido no Centro Cultural dos Correios, no Recife Antigo. “É nossa maior dificuldade. Estamos também oferecendo aulas de português e libras, já que muitos não têm a formação básica. No futuro, queremos criar o Centro Educacional Sons do Silêncio, para oferecer educação e atendimento integral. Assim, nosso impacto vai ser muito maior.”
Informações: 98756-7875
Herança de espalhar o bem entre os idosos
A solidariedade está no DNA da fisioterapeuta Maria Aparecida Brito de Andrade, 61 anos. Há 14, ela e os seis irmãos coordenam os trabalhos da ONG Casa Vovó Bibia, fundada pela mãe em seus últimos anos de vida para devolver a dignidade e resgatar a vontade de viver de idosos. Diariamente, 70 pessoas são atendidas na sede, localizada no Cordeiro, Zona Oeste do Recife. Entre as atividades estão rodas de conversa, aulas de alfabetização, ginástica, artesanato, karatê e até dança do ventre. “Minha mãe faleceu aos 90 anos. No período em que esteve mais debilitada devido a um problema cardíaco, ela não pensou nela, mas nos outros idosos em situação de vulnerabilidade. Escolheu trabalhar com os ‘velhinhos’, como chamava, porque via um olhar diferente para os jovens na legislação, enquanto o idoso era muito abandonado”, conta Aparecida.
A organização atende os idosos que frequentam a sede e também os que vivem em situação de rua e, em abrigos.Ainda leva velhinhos a escolas públicas, para desmistificar ideias sobre o envelhecimento entre os mais jovens. “É um impacto muito grande na vida dessas pessoas. Muitos idosos eram depressivos ou tinham problemas de baixa autoestima. Além de uma ocupação, a gente tende a melhorar a renda familiar e promover a inclusão deles no mercado de trabalho, através da venda de artesanato. Isso traz uma dignidade que não dá nem pra imaginar.”
Quando chegou à organização, em 2004, a aposentada Maria do Carmo Silva, 70, havia acabado de ficar viúva. “Foi uma distração para mim, que ficava muito sozinha. Aqui faço aulas de ginástica e alongamento. Também represento a ONG junto à Prefeitura do Recife. É tudo maravilhoso.”
Aos 80 anos, a aposentada Jacyara Shiranush está prestes a se tornar faixa preta no karatê, esporte que aprendeu na instituição. Na ONG ela também é professora de uma de suas maiores paixões: a dança do ventre. “A dança é muito importante. Além de uma forma de exercício, também aumenta muito a autoestima de quem pratica”, destaca.
A organização é mantida com doações e bazares solidários realizados na própria sede, localizada na Rua Frei Teófilo Virgoleta, 134.