O caminho para a solução

Há 15 anos, desde a primeira morte relacionada às organizadas, a rotina é a mesma após os episódios de violência: os clubes culpam as autoridades, que, por sua vez, culpam as torcidas, que culpam a polícia. Enquanto isso, a população, no meio do fogo cruzado, permanece refém. E o jogo de “empurra-empurra” se arrasta.

No último dia da série, o JC ouviu os principais especialistas do assunto no País e traz exemplos do que já foi implementado com sucesso dentro e fora do Brasil. Baseados nas opiniões dos estudiosos, resumimos o que seriam os sete passos para tentar solucionar de uma vez por todas o problema da violência desses grupos.

Marcos Marinho, ex-chefe do núcleo de segurança da Federação Paulista de Futebol
CADASTRAMENTO BIOMÉTRICO

Realizar o cadastro biométrico dos integrantes das organizadas. Os torcedores que quisessem ter acesso aos estádios teriam que estar cadastrados no sistema. Através dele seria possível identificar os vândalos, checando se são reincidentes

A QUEM COMPETE: governo do Estado e FPF

COMENTÁRIO: "Temos uma ferramenta que já foi foi testada em São Paulo, que veio de Israel. É uma leitura da face e, quem se envolver em confusão, nunca mais volta ao estádio. Ele seria identificado na mesma hora. Falta alguém bancar esse sistema, que ainda pode ser integrado com as polícias militar, civil, federal”, Marcos Marinho, ex-chefe do núcleo de segurança da Federação Paulista de Futebol

ISOLAMENTO NOS ESTÁDIOS

Os clubes teriam que disponibilizar uma área específica para as organizadas nos estádios. Só teriam acesso a este local os torcedores que estivessem cadastrados biometricamente. Esta solução limitaria o raio de busca de possíveis vândalos através das câmeras. Isso já é realizado no Brasil nos estádios do Corinthians, Palmeiras e Grêmio

A QUEM COMPETE: Clubes

Mauro César Pereira, jornalista da ESPN Brasil

COMENTÁRIO: "É mais uma medida paliativa e ligada ao comportamento do torcedor. Quem faz parte da organizada, fará questão de ir pra aquele setor específico. Ou seja, é mais fácil de controlar e identificar os infratores", Mauro César Pereira, jornalista da ESPN Brasil

VIDEOMONITORAMENTO

Instalação de câmeras de segurança nas áreas internas e externas dos estádios. Através delas, seria possível identificar os vândalos dentro e fora das praças esportivas e orientar melhor o policiamento em caso de emergências

A QUEM COMPETE: Clubes/governo do Estado

Flávio Zveiter, presidente do STJD

COMENTÁRIO: "Usando as imagens de televisão, fica fácil saber quem está ou não envolvido. A tecnologia deixa tudo mais fácil. As medidas existem, o que falta é uma coordenação dos órgãos públicos para que sejam aplicadas", Flávio Zveiter, presidente do STJD

POLÍCIA ESPECIALIZADA

Criação de um agrupamento da Polícia Militar especializado exclusivamente em torcidas organizadas. A divisão policial seria responsável por mapear grupos rivais, traçar as estratégias de inteligência em jogos, esquematizar escoltas e ter contato direto com as presidências dos grupos. Esta iniciativa foi tomada há 25 anos, no Rio de Janeiro, com o Gepe

A QUEM COMPETE: governo do Estado

João Fiorentini, ex-tenente-coronel do Gepe-RJ

COMENTÁRIO: "Realizamos um curso de aprofundamento para os policias que desejam se especializar nesta área. É preciso uniformizar o trabalho da policia nos estádios de futebol. É necessário entender como a torcida funciona. É algo muito específico e que precisa de um conhecimento mais vasto", João Fiorentini, ex-tenente-coronel do Gepe-RJ

NÚCLEO DE INTELIGÊNCIA VIRTUAL

Implementação de um centro tecnológico de prevenção aos confrontos. As autoridades passariam a monitorar grupos e pessoas com potenciais violentos nas redes sociais, podendo fazer uso de ferramentas de hacker. Desta maneira, seria possível identificar os locais das possíveis brigas e evitá-las. Esta estratégia foi usada pelo governo da Inglaterra para combater os hooligans

A QUEM COMPETE: governo do Estado

Eduardo Araripe, mestre em Antropologia pela UFPE

COMENTÁRIO: "É uma medida totalmente viável. A polícia já tem um setor de inteligência para crimes em geral. Seria necessário criar um grupo especifo para torcidas. Na Espanha e na Inglaterra isso já foi feito, pois foi tido como prioridade pelo governo. É preciso ter esta vontade política aqui. Motivos não faltam", Eduardo Araripe, mestre em Antropologia pela UFPE

DISK-DENÚNCIA DE TORCIDAS

Instalação de um canal direto da população com a polícia para identificar focos de brigas. Funcionaria como uma ouvidoria em dias de jogos. Apesar de já existir o “whatsapp torcedor”, muitas pessoas ainda reclamam que as mensagens demoram a ser atendidas. Esta iniciativa foi tomada no Rio de Janeiro, nas unidades de Polícia Pacificadora

A QUEM COMPETE: governo do Estado

Maurício Murad, doutor em Ciência do Desporto pela UFRJ

COMENTÁRIO: "O Brasil tem lastro com esse tipo de instrumento. E seria de repressão, prevenção e reeducação. Algumas pessoas ponderam que já tem o disque denúncia. Mas defendo um específico das torcidas organizadas. Não temos o disque denúncia da agressão da mulher e da pedofilia? Por que não ampliar isto para as torcidas?", Maurício Murad, doutor em Ciência do Desporto pela UFRJ

LEIS E TRIBUNAL ESPECÍFICO PARA CRIMES DE TORCIDA

Criação de uma lei que tipifique as ações violentas de torcedores como crime. Para que tal decisão saísse do papel, um parlamentar teria a que propor a criação da lei na Câmara dos Deputados, para, em seguida, ser votada pelo Senado e, por fim, assinada pelo Presidente da República. Também seria necessário criar um tribunal específico para julgar estes crimes. Com uma entidade responsável exclusivamente para as torcidas, haveria mais celeridade nos processos e menos impunidade

A QUEM COMPETE: governo Federal

Francisco Sannini, delegado da Secretária de Segurança Pública de São Paulo e especialista em direito público

COMENTÁRIO: "Não podemos imputar às instituições responsáveis pela segurança pública, a culpa pela violência das torcidas no Brasil. Precisamos de leis mais específicas, cabendo ao Legislativo sair do seu estado de inércia, criando tipos penais que punam as condutas com a devida rigidez", Francisco Sannini, delegado da Secretária de Segurança Pública de São Paulo e especialista em direito público

O doutor em Ciência do Desporto pela UFRJ e autor de livros como "Para entender a violência no futebol", Maurício Murad, resume em um esquema como acabar com o problema:
1 - Repressão a curto prazo; 2 - Prevenção a médio prazo; 3 - Reeducação a longo prazo

Clubes e FPF divergem

Dos clubes pernambucanos, o único que, de fato, rompeu e enfrentou as organizadas até agora foi o Sport. Único. O que muitos acham que deveria ser regra, é exceção. Desde quando assumiu o clube, em dezembro de 2013, o presidente rubro-negro João Humberto Martorelli comprou a briga e bateu de frente com as facções. Acabou com espaços na sede, cessão de ingressos, excluiu do quadro de sócios e, recentemente, acionou a Justiça para impedir a presença da Torcida Jovem em qualquer evento do clube no Estado e até fora do Brasil.

“Fizemos tudo isso porque entendemos que não se tratam de torcidas e sim de gangues que se organizam com o único propósito de espalhar a violência. Diante disso, tomamos uma posição muito clara de enfrentamento. O que o Sport podia fazer está fazendo e ainda fará mais se necessário. Agora o que precisa é uma ação mais efetiva de todos os envolvidos e os outros clubes se posicionarem também”, disse Martorelli.

O mandatário leonino, inclusive, adiantou mais um passo que pretende dar: um projeto de lei que puna o clube que tenha ligação com torcida organizada. “Estamos elaborando esse projeto há algum tempo e, em breve, vamos submetê-lo a algum parlamentar pernambucano que queria abraçar a ideia. Temos que ter um instrumento legal para que haja uma punição, a exemplo do modelo inglês, como a exclusão de campeonatos os clubes que sejam coniventes com essas facções violentas”, defendeu.

O presidente do Santa Cruz, Alírio Moraes, tem um posicionamento diferente em relação aos grupos. “Eu sou a favor da torcida organizada para fazer a festa no estádio. O que não significa dizer que apoie a incitação a violência. Hoje temos um canal de comunicação direto com as organizadas, nos reunimos com elas e a polícia, acompanhamos a ida ao estádio. O Santa Cruz optou por atuar como um poder moderador e fazer essa ponte entre a voz da periferia e a voz do Estado. E, como resultado, estamos vendo uma redução do número de ocorrências nos jogos”, garantiu o mandatário tricolor.

Sobre o impedimento legal vigente das organizadas frequentarem os estádios, Alírio defendeu uma punição individual e não coletiva. “O problema é que se começa a trabalhar com generalidades e a fazer de conta de que se está cuidando do problema. Você tem que ir no âmago da questão e buscar dentro das organizadas realmente quem é nocivo, quem marca a briga nos bairros, quem faz a depredação dos ônibus. Será que, em um universo de milhares de pessoas, você não tem condições de identificar cem que vão de encontro à lei? Claro que tem!”, defendeu Alírio Morais.

O presidente em exercício do Náutico, Ivan Brondi, preferiu o meio termo. “Eu acho que torcida todo o clube deve ter, mas eu acho que existem ações mais sublimes do que brigas e quebra-quebra. Creio que elas devam repensar o caminho. Continuando a briga, ninguém vai mais a campo e aí o futebol morre. Do jeito que está tem que se tomar uma atitude, uma medida dura, para reposicionar o trem nos trilhos”, disse Brondi.

O presidente da FPF, Evandro Carvalho, por sua vez, se coloca a favor de uma resposta mais enérgica. “Diante dessa reiterada prática de violência, nós temos que ter uma legislação mais dura e uma ação do Estado mais repressiva. Aí, no futuro, depois que se restabelecer a ordem social e demonstrar a esses bandidos que ele serão presos e vão para a cadeia, poderemos amenizar essas medidas e adotar um encaminhamento mais pedagógico”, defendeu.

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